Hermínio era filho de espanhois, nasceu no Brasil, onde viveu toda sua vida. Uma pessoa especial, sempre achei, mesmo sendo pequeno e não entendendo muito bem as coisas da vida.
Eu me mudei para onde moro hoje com apenas 2 anos. Logo que nos mudamos Hermínio também mudou para a casa em frente. Ele foi um dos meus primeiros pediatras. O isolamento que tinhamos aqui no condomínio (que ficava a longos 6 Km da marginal; hoje já engolido pela cidade), fez com que ele e meus pais se aproximassem juntos.
Herminio tinha dois filhos, já crescidos, era também separado mas sempre se deu muito bem com a ex-mulher. Quando mudou-se para a casa em frente já era separado. Ao passo que a amizade com meus pais evoluía ele começava a frenquentar mais e mais nossa casa. Quando eu e minha irma já tinhamos 4 a 6 anos, Tio Hermínio (como sempre o chamamos) comprava e trazia figurinhas para nós. Acho que sempre completei todos os meus álbuns graças a ele. Ele chegava do trabalho, largava o carro na frente da casa dele e vinha aqui, com a desculpa de entregar os pacotes de figurinha.
Já sentados para jantar, minha mãe o convidava a ficar, dia pós dia, meu pai trazia uma cerveja e juntos conversavam, mas ele sempre avisava: “Vou jantar em casa se não a Angelina (cozinheira) me mata!”. E assim a vida ia, todos os dias o mesmo rito.
Hermínio fazia uma paella como ninguem, já pequeno sabia o que era bom :-P. Como gostava muito de cozinhar ele montou uma cozinha industrial em um pedaço do terreno de sua casa. Toda festa que tinha na vizinhança, era pra lá que ia todo mundo praparar as coisas sobre a supervisão dele. E lá ficavam, todos os vizinhos, horas, jogando papo fora enquanto nós, os filhos, brincávamos na rua.
Certo dia Tio Hermínio fez aniversário, pediu uma pizza, numa sexta a noite para comemorar. Fomos até lá, mas com a certeza de que era apenas um aquecimento pois ele já havia começado a preparar uma paella para o sábado! Sabadão, claro, voltamos à casa dele. Festança, todos os vizinhos reunidos, amigos, familiares dele…. Paella para todos, música e muita risada. Nunca ví este homem triste, e entenderão o quão sério eu falo, mais pra frente.
O almoço se alongou, claro, foi terminar pra lá de meia noite. Todos, já exaustos foram obrigados a se recolher, antes de partir ele avisa: “Amanha tem que vir me ajudar a acabar com tudo isso eim!”. Nem era preciso insistir muito, vizinhança festeira, a continuidade era certa. E assim foi!’
Na segunda de manha a Angelina tocou em nossa casa, isso nunca tinha acontecido. Minha mãe foi lá ajudar, o Herminio estava mal. Chamou mais dois vizinhos, médicos, e foram ver o que acontecia. Com a frieza de um médico Hermínio diz para um dos “colegas”: “Estou tendo um AVC (acidente vascular cerebal), leve-me ao hospital X e só deixe FULANO me operar!”. Ninguém queria aceitar aquilo, claro, ver pessoa tão bondosa em situação desconfortável não faz bem pra ninguém. Mas assim foi feito. No caminho Tio Hermínio realmente teve não um, mais dois AVCs.
O tempo passou, eu e minha irmã crescemos. A filha do Tio Hermínio reformou e se mudou para a casa que era dele. Fizeram um quarto para ele lá, assim ficaria perto da família. Sua ex-mulher resolveu mudar-se para a mesma casa também, ajudar a cuidar de tudo, de todos.
Sempre que íamos visitá-lo, ele adorava piadas e falar sobre seu time do coração, o coringão, perguntávamos: “Como você está, Tio Hermínio?”, e ele já com voz frágil, respondia: “Eu estou ótimo!”.
Eu escutei ele dizer que estava ótimo incontáveis vezes. Sempre que escutava o homem falar isto parava comigo mesmo e refletia, como é que pode uma pessoa assim dizer isto? Que direito tenho eu de reclamar da vida?
O tempo passou, do dia que ele foi para o hospital até hoje (25/10/2010) passaram-se 17 anos e 11 meses, para mim, quase 2 terços de minha vida. Passaram-se 17 anos e 11 meses que o Tio Hermínio ficou tetraplégico em função dos AVCs. Passou-se todo este tempo em que ele não conseguia, como para meu pai era o maior dos extremos, “Coçar o nariz”. Durante muitas vezes nessa jornada, que se encerrou hoje, me fazia refletir vez após outra o quão o Tio Hermínio era um exemplo. Não se deixava vencer, desistir, DESACREDITAR!
Hoje a jornada chegou ao fim, triste, mas feliz…
Esta é uma história que para sempre fará parte da minha balança sempre que desanimar, sempre que me irritar com algo, que achar que as coisas estão erradas ou não dão certas…. é diferente, estranho, complicado, muito emotivo, mas, pra mim, é assim!